Sobre a Ciência

Olá Pessoal,

Estou compartilhando um texto que acabei de ler! Acho que será uma grande fonte de reflexão!

Um bom fim de ano para todos e um ótimo Ano Novo!

Abraços,

Flávio Nunes.

E-mail: medvetfisio@gmail.com

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A ciência evolui - para além do acumulo de conhecimento.

Talvez o que distingue a ciência da filosofia seja o empirismo sistemático. Enquanto que a filosofia se preocupa com o que é que podemos saber e como podemos saber, a ciência actua como se a resposta para isso fosse dada pelo próprio progresso do conhecimento.

Em alguns casos em que os principios filosóficos da ciência não eram suficientes para continuar a progredir, a estrutura procedural da ciencia alterou-se de modo a conseguir encontrar mais respostas. Um bom exemplo foi a passagem do verficacionismo para o falsificacionismo(1), notada à posteriori pelos filósofos da ciência. À posteriori porque a ciência já estava a funcionar com a forma de falsificacionismo mais actual quando Popper lançou as linhas mais gerais. Darwin e Einstein foram os verdadeiros revolucionários.

Ambos mostraram como o conhecimento continuava a progredir sem que a ciência se validasse "à moda antiga". Observaçao direta e verificacionismo ficavam obsoletos ainda antes de ser decretado o seu fim.

O empirismo sistematico e metodologico não foi ultrapassado mas ganhou uma nova dimensão ao admitir-se que se conseguimos prever o futuro além de explicar o passado, em relação a uma determinada questão, é porque provavelmente conhecemos um fenómeno.

A plausibilidade

E "provavelemente" é o melhor que podemos dizer. Porque provavelmente não podemos ter a certeza de nada. E em termos absolutos a ciência não deveria provar ou validar-se a si própria. Daria um problema de auto-referencia sem solução. Mas este é um problema para qualquer forma de conhecimento. Pois se tentamos justificar esse conhecimento com os próprios conhecimentos, seja ele qual for, estamos a cair em auto-referência.

Como é que saímos deste impasse? De modo absoluto não creio que tenha solução. Ou seja, penso que haverá sempre coisas que teremos de assumir como sendo verdadeiras, ainda que apenas provisóriamente. O que se impoe então é saber se o conhecimento que se adquiriu é ou não o melhor que se pode fazer. Qual a plausibilidade relativa do que acreditamos.

A ciência é um integrado complexo

E aqui a ciência tem um comportamento de predador. Se uma solução serve para explicar melhor um fenómeno, venha essa solução de um filosofo ou de um teologo, ela é aceite. Porque existe uma linha de intersecção larga da ciência com a filosofia. Enquanto que eu comecei este texto por dizer que provavelemente aquilo que distingue a ciência da filosofia, a realidade é que existem muito mais coisas que as unem, pois a ciência não é apenas empirismo.

Parte da ciência, e uma parte consideravel e importante é a discução aberta. Provavelmente é esta discussão aquilo que a valida. Que a valida, não como verdade absoluta, mas como explicação plausível ou como sendo o melhor que se pode. E isto não é muito diferente do que fazem os filósofos. Sobretudo se verificamos que a ciência açanbarcou ferramentas como por exemplo o pensamento crítico. Ferramentas essas que vêm da filosofia. Alias muito do que é ciencia hoje já foi filosofia no passado. Mas o que quero deixar explicito é que essa diferença, a linha entre a filosofia e a ciência não é clara. Tal como não é facil distinguir ciência de pseudociência. Em ambos os casos porque uma "canibaliza" conceitos da outra, mas o que se passa nas pseudociencias é que não há repeito pela consistencia e os conceitos são escolhidos ad-hoc. Mas isso é outra discução.

Outra area que importa fazer uma grande menção honrosa é a matemática. Sem matemática não há ciência. É assim tão simples e tão obvio. Enquanto linguagem a matemática providencia à ciencia uma base clara de descrever muitos fenomenos. Enquanto processo, a matemática dá à ciência a capacidade de usar os seu metodos para produzir mais conhecimento e analizar informação. Que a matemática prossiga autonomamente, o que acontece quase sempre, não é um problema. É uma vantagem. A titulo de curiosidade, diga-se que há matemáticos que defendem que a matemática é uma area de conhecimento empirica. E eu tambem penso assim. O que faria dela uma ciência completa.

Plausibilidade pela consistência

Outra linha de validação do conhecimento cientifico e que aumenta não a veracidade absoluta de uma preposição mas acrescenta muito acerca da sua plausibilidade é a consistência interna da ciência. Se conseguimos verificar a mesma teoria por linhas de investigação diferentes, temos aqui um argumento de consistencia. E mais importante ainda, se essa nova teoria se consegue integrar lógica e matemáticamente num quadro cognitivo maior, com as outras teorias todas que conseguimos descrever antes por origens diferentes e em areas diferentes, temos que a plausibilidade dessa teoria ou explicação aumenta muito. Porque demosntram consistência. A biologia não pode ser feita de teorias incompativeis com a quimica ou com a física por exemplo. Tudo tem de funcionar articuladamente. Se isso não acontece, então temos um problema. Como por exemplo a integração da mecanica quantica com a relatividade. Um grande problema. Mas como tenho dito, mesmo sabendo que há algo errado e por resolver, não é por esse facto que deixam de ser a melhor explicação possivel. Isso acontece, obviamente quando aparecer uma teoria que o faça melhor. A teoria das cordas está no bom caminho.

Mas este post não é sobre casos específicos, é sim sobre a validação da propria ciencia enquanto conhecimento. E do que se pode esperar do significado de uma validação do conhecimento. Porque como propuz logo ao principio, não podemos de um modo "à prova de bala", justificar um conhecimento com ele próprio. A auto-referencia é um erro de raciocínio. Em ciência e em filosofia. Por outro lado, obviamente, este não é um problema da ciência, mas sim de toda e qualquer forma de conhecimento que se queira fechar em si própria. E é essa a solução que a ciência encontrou. É manter várias vias de validação a funcionar ao mesmo tempo enquanto se assegura que existe consistencia ( não haver contradições lógicas formais ou informais) entre essas vias todas e dentro dela própria.

Negacionismos absolutos e afins são auto-refutantes.

Este argumento é à prova de bala? Mostra para alem de qualquer objecção que a ciência se pode validar a ela própria? Não. Até porque podemos estar todos a viver na "Matrix" e não saber. Mas encontrar uma consistencia satisfatória no conhecimento gerado enquanto se procura manter uma ancora na realidade através do empirismo metodico e sistemático diz muito acerca da plausibilidade do conhecimento cientifico. Tanto que não sendo possivel dizer que a ciencia alcança certezas, se pode mostrar, pela integração de todas estas ferramentas, que é o melhor que o ser humano consegue para produzir conhecimento.

A não se que se assuma que a verdade não existe. E que uma crença é tão verdadeira como qualquer outra, independentemente da justificação que tenha.

Mas a ciencia é acerca daquilo que se pode saber, não é do que não se pode. Mas o que não se pode saber, nós não sabemos o que é. Não sabemos nada. De momento. Por isso, tentar adivinhar não vale. Porque isso não é nada. E mesmo que esta realidade seja virtual, para já é tudo o que podemos esgravatar para tentar preceber de onde veio. E sem duvida comprender como se comporta. Mesmo que seja virtual, é o mundo que nos afecta. E mesmo que só possamos chegar a verdades incompletas sobre uma realidade virtual, então é melhor que nada.

Usar isto como argumento para colocar o palpite ao nivel de uma forma de conhecimento é errado. E quem não acha que pode construir conhecimento então não vale a pena sequer discutir, porque nunca se vai saber o resultado da discoção, nunca vai saber se a cada momento o argumento é valido, não vai saber nada. Para ilustrar esta situação, proponho uma refleção sobre a frase:

"É verdade que a verdade não existe".

Conclusões

Em resumo, o que torna a ciencia especial e aquilo que a torna o sistema cognitivo preferido dos cepticos é um conjunto de coisas e a intergração destas. A saber, a matemática, a lógica, pensamento crítico, a abertura a refutação e a procura de extrair informação do meio exterior.

Não se pode provar a ela própria, mas nada pode. Pode sim dizer-se que é o melhor que se consegue e que isso já é algo, porque consegue explicações plausíveis. E capazes de prever o futuro. E capazes de fazer evoluir o próprio processo de conhecimento. A própria ciencia, como referido acima evolui.

Por ultimo gostava de voltar aqui a referir que usar aquilo que não sabemos para provar algo é uma falácia. Dizer " a ciência não explica tudo" ou "a ciência tem limites" para provar algo não serve. Se queremos provar como conhecimento uma crença qualquer temos de o fazer em relação às preposições resultantes dessa crença e de como elas podem ser validadas.

Se acreditamos que as crenças são todas iguais e que não há nada que possa ser justificavel, ainda que parcialmente, então nem vale a pena começar um argumento, porque está perdido à partida.

Notas:

(1) Popper foi refutado ainda em vida acerca do falsificacionismo. Ficou no entanto de pé uma forma menos forte em que o que se testa são condições associadas à teoria, uma vez que a critica que lhe foi feita consistia em que às vezes testar diretamente uma teoria em relação ao que ela prevê é impossivel. Popper para o fim da vida dedicou-se a tentar determinar quais as caracteristicas dessas condições associadas que podem e são testadas. De um modo geral, a capacidade de uma teoria fazer previsões que sejam verificadas não foi derrubada. Apenas o modo como é feito. As teorias ainda têm de fazer previsões, ainda que não diretas.

Herança Cartesiana!

Olá Pessoal,

Acabei de achar um vídeo muito interessante! Ele reflete o pensamento científico cartesiano, onde o corpo humano passou a ser visto como uma máquina. É um vídeo ilustrativo e vinculado à diversão e ao entretenimento! É uma forma criatriva de ver o corpo humano funcionando!

Boa diversão!

Flávio Nunes.
E-mail: medvetfisio@gmail.com

Diálogo: Ciência x Religião (Parte I)

Olá Pessoal,

Após alguns meses sem postar nenhum texto, eis que retomo a atividade com um novo artigo de minha autoria. Nele eu abordo um tema ainda em voga na atualidade; o diálogo entre Ciência e Religião.

Não aprofundarei o tema, mesmo porque tem tanto que já foi dito e tanto ainda para ser discutido e dialogado. Entretanto, em linhas gerais, apresento minha opinião sobre o tema e minha principal linha de pesquisa. Há tanto para ser acrescentado e discutido, e este artigo é apenas uma centelha diante da vastidão que ainda está por vir nos próximos meses e anos.

Espero que gostem do texto e espero suas opiniões,

Abraço,

Flávio S. Nunes
E-mail: medvetfisio@gmail.com


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Uma reflexão pessoal sobre ciência e religião

(Parte I)

Flávio S. Nunes.

Introdução

A quase dois anos, enveredo-me pelos estudos que buscam unir os pensamentos científicos e religiosos. Busco entender e refletir sobre os pontos de concordância e discordância que há nesse diálogo, muitas vezes tão desnecessariamente tenso.

Já aqui, no começo da minha explanação, vale dar ênfase a um fato importante e que se encontra no meu discurso e formulação de pensamento: Estou convicto que pode sim haver um diálogo sadio e não-agressivo entre ciência e religião!

Sou o “atalho” de todos os conceitos que já li, refleti e absorvi. Meu ponto de vista pode ser semelhante a tantos outros, contudo jamais será igual. Minha forma de conceber o mundo é diferente de todos os demais indivíduos existentes no planeta. Tal fato porta-me a criação de um conceito particular sobre ciência e religião; semelhante a alguns e diferente de tantos outros.

Meus conceitos e fundamentos científicos, no que diz respeito à integração entre Ciência e Religião, é semelhante ao que entende-se por “Matrimônio”. Neste, dois indivíduos, um homem e uma mulher, distintos entre si, enamoram-se e desejam, num determinado momento, viverem juntos para o restante dos seus dias. Conhecendo-se mutuamente a cada dia, ajudando um ao outro a melhorar suas partes falhas, trabalhando e desenvolvendo os pontos comuns, compreendendo compassivamente os pontos falhos do outro. Estes são apenas algumas de tantas outras características satisfatórias que pode ocorrer se ciência e religião um dia resolverem se casar!

Este texto é um esboço inicial, onde introduzo meus conceitos e começo a desenvolver, de forma concisa, minhas observações pessoais, reflexões e projeções sobre este tema ainda tão em voga na atualidade: Ciência x Religião!

Linhas Iniciais

Em minhas pesquisas não vejo motivos para discordar dos trabalhos publicados sobre evolução e outras áreas afins. Acredito que os estudos produzidos por tantos ilustres cientistas nas últimas décadas, e contemporaneamente, forneceram e ainda fornecem dados importantes sobre a evolução dos seres vivos. Acredito que a terra tenha alguns bilhões de anos e que as primeiras formas de vida surgiram a alguns milhões de anos. Não obstante a esta minha crença cientifica, e às pesquisas que venho empreendendo, acredito em Deus. Por que não acreditaria? Entretanto não confundam minha crença e minha fé; não sou Criacionista e nem adepto fiel do “Designer Inteligente”!

Só por expor este ponto de vista, que gera no meio religioso e acadêmico inúmeros “atritos”, alguns cientistas poderiam dizer: “Hipócrita! Isso não é fazer ciência! Não sabe do que está falando”. Enquanto isso, por outro lado, alguns religiosos talvez diriam: “Não se pode obedecer a dois deuses! Se acreditasse realmente em Deus, descartaria tais pensamentos científicos”. Acredito que todos aqueles que pensem dessa forma, sendo iletrados, ateus, religiosos, graduados e/ou pós-graduados; possuem um “véu espesso” diante dos olhos. Tal “véu” bloqueia suas percepções de mundo. São pessoas certamente individualistas, e que comungam de uma pseudo-intelectualidade, enraizada numa conduta puramente ideológica.

Enquanto a base do diálogo for “o meu é melhor do que o seu”, ou ainda “o meu é superior ao seu”, enquanto isso ocorrer, nunca chegarão num denominador comum. Sempre haverá “guerras” e conflitos!

Penso que, sobre esta ótica, ambos estão errados e precisam amadurecer o seu lado antagônico. Ao menos conhecê-lo melhor. Após o conhecimento mutuo, se ainda restar divergências, tal fato dever-se-á à percepção que o individuo tem de mundo, que de uma maneira ou de outra, é fundamentada na ausência de compaixão, empatia e diálogo. Certamente faltou-lhe diálogo e liberdade de pensamento, ainda nos primórdios de sua vida, ou seja, no inicio do seu desenvolvimento intelectual. Certamente certas “verdades” lhe foram impostas ao invés de discutidas e ponderadas.

Conduzidos pela linha cultural dos últimos três séculos, e pela pronunciada individualidade que vem tomando conta da sociedade atual, defender o próprio ponto de vista torna-se questão de vida ou morte. Para alguns é uma questão de racionalidade, para outros tantos uma questão de “acreditar sem ver”! Ambos possuem fé que aquilo em que acreditam gerará frutos num futuro não muito distante e que o seu opositor será “esmagado” pelo peso da verdade incontestável de seus argumentos. Quanta tolice! Há respeito em tais argumentos? Há integração e diálogo? Infelizmente a resposta é negativa para ambas as perguntas.

Descobri que não somos seres constantes e nada do que produzimos é uma verdade eterna e absoluta. Estamos todos num estável e ininterrupto desenvolvimento. Desenvolvimento emocional, psicológico, moral, ético, anatomo-funcional, entre outros. Isso é algo falado e explicado tanto por cientistas quanto por religiosos. Ambos comungam dessa premissa. Estanho não entrarem num acordo ano menos nisso, você não acha? É difícil saber que o opositor está certo em alguns aspectos e concordar com isso! É “mais fácil” discordar, gerar pontos de tensão e contra-argumentar, desenvolvendo outras interpretações de um mesmo aspecto e/ou ponto de vista. “Blá, blá, blá”, a mesma coisa dita com inúmeras outras palavras!

Influências: Base Conceitual

A ciência está em evolução, assim como a religião o está. Isso faz com que todos nós, humanos (E o restante dos seres vivos), que vivem individual e coletivamente, soframos influencias capazes de tirar-nos do “ponto de equilíbrio” e colocarmo-nos no rumo do “vir a ser”! O amadurecimento faz parte da natureza de qualquer ser vivo. Não tenha dúvidas, todos evoluímos e isso é um processo contínuo!

Consciente ou inconscientemente, em maior ou menor intensidade, todo e qualquer ser vivo está neste exato momento sofrendo influencias do meio em que se encontram. Para todos aqueles que estão começando a estudar assuntos relacionados à Evolução, eis uma pergunta para meditação: Como, ao longo de milhares e milhares de anos, um grupo de indivíduos, de um táxon por exemplo, pode perder ou acrescentar uma característica à sua constituição física e/ou psico-emocional? A não ser quando ocorre uma mutação abrupta, não vejo outra saída senão uma mudança gradual e paulatina. Estas mudanças são tão marcantes e significativas que chegam ao ponto de fazer o metabolismo aumentar ou diminuir; faz com que no lugar onde havia uma película de lipídio e proteínas, surja algo mais denso, chegando a formar-se “placas” de proteção, e destas surgem anexos como pêlos em uns e penas em outros; faz com que patas tornem-se nadadeiras, entre outras coisas fantásticas. Tudo isso, ligado diretamente ao meio onde cada individuo, ou um grupo de indivíduos, estão inseridos.

Os individuos “caminharão” mais ou menos, de acordo com aquilo que para eles, ou para o grupo, seja prioritário. Falando dos seres humanos, todos possuem condições de desenvolverem suas faculdades mentais em condições semelhantes de importância; salvo os que nascem com alguma anomalia anatomo-fisiológica e/ou genética, que os proíbem de atingirem elevados graus de desenvolvimento. Vale lembrar aqui que há aqueles que nascem com um alto grau absorção de informação. Não são muitos, mas merecem destaque.

Há uma distancia gigantesca entre perceber, assimilar, modificar e renovar. Mas nada que milhões de anos não dêem jeito. Como acham que chegamos onde estamos? As mudanças são, na maioria das vezes, quase insignificantes, contudo sempre estão presentes.

Com o advento da física quântica, muito do que tínhamos como pequeno, tornou-se “quase invisível”. Consequentemente o entendimento e a visualização da proporção de modificações “micro” elevaram-se drasticamente. Numa escala micro, uma partícula pode influenciar outra e isso pode levar à estabilidade ou a instabilidade de determinadas estruturas, tanto micro quanto macroscopicamente. Eis aqui uma constante influencia que sofremos e que dia após dia passa, desapercebidamente, pelos nossos sentidos. Está acontecendo agora, e agora, e agora, etc; tendendo ao infinito. Pequenas influências, constantes, contínuas, e que por milhares de anos geram modificações em todos nós.

Fisiologia Evolutiva

Dedico-me à pesquisa e ao estudo das ciências naturais. Uma das áreas de maior destaque em meus estudos é a Fisiologia Evolutiva. Esta objetiva elucidar a maneira como os organismos funcionam, e de que forma estes padrões funcionais possibilitaram seu sucesso e a ocupação de diferentes hábitats ao longo do tempo, evidenciando relações filogenéticas.

As grandes áreas que se integram e fazem parte da abordagem integrativa da Fisiologia Evolutiva são: Fisiologia, Ecologia e Comportamento. Dentro destas, destacam-se as subáreas Ecofisiologia e Fisiologia Comparativa. Na primeira, elucidam-se os caracteres e demonstra-se o significado destes para a sobrevivência do organismo no ambiente natural. Na segunda, a maior contribuição está no corpo de dados acumulados sobre o funcionamento de características fisiológicas em diversos grupos. Assim, Fisiologia Evolutiva também tem implicações nos estudos de biogeografia e diversidade (Silva e Brito, 2009).

Os organismos possuem mecanismos fisiológicos e/ou comportamentais que lhes permitem permanecer e estabelecer populações nos mais variados ambientes. Pouco se sabe sobre a cadeia detalhada de eventos que ocorre em um organismo, a partir de um estímulo ecológico sobre uma população natural, e a manifestação da resposta nas características fisiológicas. O paradigma geral é que os genes codificam o fenótipo, o fenótipo determina o desempenho do organismo no ambiente natural, o desempenho determina o sucesso daquela linhagem (fitness) e este determina a freqüência de alelos no pool gênico da próxima geração (Garland e Carter, 1994). Os detalhes do que ocorre em cada um dos passos cabe à Fisiologia Evolutiva.

A abordagem bioquímica pode ser usada para estudar o significado evolutivo da variação genética em um gene específico em resposta a mudanças ambientais (Garland e Carter, 1994). A Fisiologia Evolutiva aprofunda-se na interface ambiente-fenótipo, fazendo correlações entre ambos, com o pressuposto de que variações na fisiologia tenham bases na expressão genética. No entanto, pouco se conhece sobre a herdabilidade de caracteres fisiológicos e plasticidade fenotípica (Silva e Brito, 2009).

Ambos os efeitos, genético e ambiental, durante o desenvolvimento e ontogenia do indivíduo, determinam mudanças em características bioquímicas, fisiológicas ou morfológicas (Svidersky, 2000). Atuando em conjunto, essas características determinam o desempenho do organismo como um todo. Tal desempenho define a extensão ou os limites das capacidades de um organismo, e o comportamento, por outro lado, indica como um organismo usa essa capacidade. A seleção, por sua vez, atua mais diretamente no comportamento, porém o comportamento é limitado pelo desempenho (Garland e Carter, 1994). Por isso, as variações genotípicas ou bioquímicas deveriam estar sujeitas à seleção se elas tivessem efeito no nível do desempenho do organismo e, portanto, comportamental. A definição operacional de seleção natural como uma correlação entre fitness e fenótipo nos conduz a possibilidade de que efeitos ambientais atuem diretamente no desempenho ou comportamento (Silva e Brito, 2009).

Além do exposto acima, a Fisiologia Evolutiva leva em consideração três fatores para a sua completude: A Seleção, o Tempo e a Adaptação Fisiológica. Alem disso tanto a Ecofisiologia quanto a Fisiologia Comparativa, áreas que se integram dentro da Fisiologia Evolutiva, utilizam três técnicas atuais para refinarem seus estudos: 1) Métodos Filogenéticos Comparativos; 2) Estudos de Seleção e 3) Técnicas de Genética.

Não é o momento de desenvolver nenhum destes temas no presente artigo, contudo o conhecimento de tais tópicos serve de base para futuros diálogos. Estes estudos vêm trazendo grandes contribuições ao mundo acadêmico e à sociedade como um todo.

A integração de pesquisadores oriundos das diversas áreas, que mantenham o apreço em tratar das questões científicas à luz da multidisciplinaridade, e estejam dispostos a fazer uso do vasto arsenal instrumental de que se dispõe, trará, certamente, contribuições muito significativas para o entendimento da história evolutiva da vida na Terra (Silva e Brito, 2009).

Conclusão

Meus esforços estão voltados para o desenvolvimento de uma metodologia capaz de levar ao publico, de uma maneira geral, o sentido integrador entre ciência e religião.

É preciso fazer as partes, de uma lado a ciência e do outro a religião, encontrem um ponto de equilíbrio. Cada uma com sua essência, entretanto ambas desenvolvendo um dialogo produtivo e harmonioso, para maior gloria da natureza e da humanidade. Um “casamento” onde diferentes indivíduos, distintos entre si, enamoram-se e decidem partilhar uma vida em comum.

Somente quando este enamoramento ocorrer, só neste momento, poderemos vislumbrar uma cultura realmente unitária e fraternal surgir e perpetuar-se. Não existirá mais superior ou inferior, melhor ou pior; existirá apenas seres intelectualmente capazes, evoluindo sinergicamente, mesmo cientes dos seus limites e incapacidades.

Referências Bibliográficas:

Garland, T.; Carte, P.A. (1994) Evolutionary Physiology. Annual Reviews Physiology. 56: 579-21.

Silva, M.; Brito, A. (2009) Darwin e sua Blasfema Teoria. In: Livro do VI Curso de Inverno – Tópicos em Fisiologia Comparativa, Unidade 4: A curiosa saga da Fisiologia Evolutiva – USP.

Svidersky, V.L. (2000) Tasks and Perspectives of Development of Evolutionary Physiology. Journal of Evolutionary Biochemistry and Physiology. 36 (3): 223-234.

Retomando as atividades do Blog!

Olá Pessoal,

A muito tempo não escrevia aqui no Blog. Por vários motivos tive que afastar-me dos estudos acadêmicos nos últimos meses. Infelizmente não encontrava tempo suficiente para me dedicar àquilo que realmente gosto de fazer: Estudos + Pesquisa Teórica!

Não entendi este "afastamento" como negativo em minha jornada, foi sim um momento de aprofundamento e re-organização pisco-emocional. Ponderei os diversos âmbitos que norteiam minha vida (Pessoal e Profissional). Após uma análise detalhada de tudo o que me prende aos "ambientes" dos quais faço parte, assinalei os pontos-chave que dedicar-me-ei ao longo dos anos que me restam.

É um fato que terei muito o que estudar. Muitas horas serão dedicadas à leitura, à reflexão, à escrita, etc. Desejo que meus esforços sejam bem visto no ambiente acadêmico e na sociedade como um todo. O meu trabalho já deu-se inicio a alguns meses. Com dedicação e fé retomo a pesquisa e a escrita. Avançarei infinitamente, até quando puder.

Perdi a oportunidade de estar vinculado a uma instituição de ensino de renome internacional. Lá "discutia" minhas idéias com mestres, doutores e pós-doctors. Foi fantástico! Descobri que nasci realmente para o ambiente acadêmico e para pesquisa! Entretanto, infelizmente tive que seguir um caminho diverso ao da vinculação direta com a universidade, voltei ao ponto inicial: Pesquisador Teórico Autônomo!

Aqui estou eu novamente, buscando em diversas fontes tudo o que embasa minha pesquisa. Contudo, agora, mais certo de onde devo chegar.

Por isso, caros leitores, aguardem que brevemente estarei postando novos textos! Desde já agradeço a atenção de todos.

Abraços,

Flávio Nunes.
E-mail: medvetfisio@gamil.com

Filosofia e Ciências Biológicas!

Olá Pessoal,

Estou postando um texto novo, de minha autoria! Nele eu abordo um pouco a história da Filosofia, da Biologia e do pensamento científico! Não é nada muito aprofundado, mas foi uma das formas que encontrei de ordenar meus pensamentos! Ao menos para ter uma "linha" por onde seguir!

Espero que gostem!

Abração,

Flávio S. Nunes.
E-mail: medvetfisio@gmail.com


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Filosofia e Ciência Biológica: Onde começa uma e termina outra

Flávio S. Nunes

RESUMO

Como toda ciência, a biologia também surgiu do pensamento de alguns filósofos ao longo dos séculos. A filosofia possui dificuldades em ser chamada ciência, pois considera-se uma disciplina que faz uso de um ponto de vista totalitario e universal, enquanto uma ciência lança seu olhar sobre um ramo específico do saber, que no caso da biologia seriam os seres viventes, animais, plantas, etc. Pode-se filosofar sem ciência, contudo não se pode fazer ciência sem um conhecimento, ao menos básico, sobre filosofia.

O grande desafio de hoje para a ciência biológica é o desenvolvimento de um pensamento estruturalista, sem perder sua identidade científica. O papel da ciência para o estruturalismo é o de identificar, explicitar e descrever suas estruturas, regras e princípios constitutivos.

O pensamento pós-moderno possui o desafio de desenvolver uma ciência ampla e nao-linear, mais próxima das artes do que da “ciência” propriamente dita, não se prendendo mais em um saber ou um ponto de vista privilegiado, mas como uma pratica discursiva, uma forma de reflexao que exprima o entendimento de nossa época.

NASCIMENTO DA CIÊNCIA BIOLÓGICA

Dizemos que quando o homem perguntou pela primeira vez o porque de algo no mundo, deu-se inicio a ciência. Depois disso, o homem começou a questionar seus conhecimentos. Tudo que o cercava fora submetido (e ainda o é) à análise. Mais profundamente, começou a buscar aquilo que para ele seria a essência da vida, a causa primeira e mais importante na natureza e de si mesmo.

Dizemos que o mundo científico é aquele que, ao descobrir o ser das coisas, secundariamente procura descobrir a essência que as coisas tem. Para o agricultor, uma árvore é uma coisa que maneja, com a qual trabalha, com a qual convive. Mas para o biólogo ela represente algo muito maior, pois este conhece sua essência. Portanto o mundo da ciência é aquele mundo de essências descobertas depois que as coisas se tornaram problemas. Por exemplo, do ponto de vista da fisica, este mundo, o mundo de que falamos, o mundo das coisas reais, temporais e causais, nao é mais do que um sistema de números métricos; fórmulas matemáticas que expressam medidas e relações entre medidas. Nem mais, nem menos.

É preciso convencer-se que a filosofia não é ciência. A filosofia é uma disciplina tão rigorosa, tão estritamente rigorosa e difícil como a ciência; porém não é ciência, porque entre ambas há muita diferença de proposito e de método, e entre outras diferenças existe esta: Cada ciência tem um objetivo delimitado, enquanto que a filosofia se ocupa de qualquer objeto em geral. O fato de descobrir uma nova estrela no céu ou de expor uma nova lei universal, não justifica, ou legitima, que um cientista de toda a vida, por exemplo um biólogo, físico, matemático, etc; ponha-se de repente, sem exercitação previa, a fazer fiolosofia.

O professor Manoel Garcia Morente, em seu livro “Fundamentos de Filosofia: Lições preliminares” publicado em 1966, é enfatico ao dizer que o nascimento da ciência biológica, separada da filosofia, dá-se quando lançamos nosso olhar e nos dispomos a estudar os seres viventes, animais e plantas, separado do resto das coisas que podem lhe classificar como um todo. Uma ciência deixa a filosofia quando renuncia a considerar seu objeto de um ponto de vista universal e totalitário.


O SURGIMENTO DA CIÊNCIA COMO A CONHECEMOS

Um dos pilares da ciência na antiguidade foi Aristoteles. Ele foi o mais importante discípulo de Platãoo e o responsável pelo ponto mais alto da filosofia Grega. Aristoteles é natural de Estagira, na península Calcidica, e viveu entre os anos 384 – 322 a.C. Ele escreveu sobre quase todos os campos do saber humano da época, deixando muito material escrito. Entre eles temos os escritos sobre o mundo físico, onde descreve o mundo natural, palpável. Um dos seus mais importantes discípulos e contribuidores foi Alexandre Magno, este ao conquistar novos “mundos” enviava a seu mestre algumas amostras de plantas e animais, para que pudesse estudá-los e registrar o máximo de informação possível sobre espécimes, até aquele momento, completamente novas.

Para Aristoteles a ciência consiste na consciência suficiente que temos para explicar completamente o objeto considerando-o do ponto de vista que se é analisado (Matemático, biológico, etc) e tal consciência é comprovada quando não podemos separa o objeto de sua causa.
Na Europa Ocidental, a partir do final do Séc. XII, começa o interesse pelas ciências naturais com a re-introduçao da obra de Aristoteles e de seus intérpretes árabes. Embora a revolução científica moderna inspire-se muito em Platão, pela valorizaçao da matemática na explicação do cosmo, e nos pitagóricos, que já teriam antecipado o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico (segundo ele próprio admite), Aristoteles é o responsável pela ênfase na pesquisa experimental e na importância da investigação da natureza.

Uma das principais transformações do ponto de vista da metodologia científica está precisamente na inversão da ordem de prioridades, onde temos a rejeição da verificação de uma hipótese com um argumento conclusivo para sua aceitação, argumentando que a verificação, por definição limitada e imperfeita, não pode suplantar os princípios metafísicos estabelecidos racionalmente, nem tampouco as verdades universais e necessárias deduzidas logicamente. Segundo essa visão, é mais importante salvar a fisica aristotélica -, e portanto seu sistema como um todo, sua unidade e coerência interna -, do que salvar os fenômenos.

A ciência moderna surge quando se torna mais importante salvar os fenômenos e quando a observação, a experimentação e a verficação de hipóteses tornam-se critérios decisivos, suplantando o argumento metafísico. Trata-se, no entanto, como quase sempre na história das idéias, de um longo processo de transição, muito mais do que de uma ruptura radical.

Podemos considerar que são fundamentalmente duas as grandes transformações que levaram à revolução científica. A primeira é do ponto de vista da Cosmologia, com a demonstração da validade do modelo heliocêntrico, empreendida por Galileu; a formulação da noção de um universo infinito, que se inicia com Nicolau de Cusa e Giordano Bruno; e a concepção do movimento dos corpos celestes, principalmente da Terra, em decorrência do modelo heliocêntrico. O segundo dá-se do ponto de vista da idéia da ciência, a valorização da observação e do método experimental, isto é, uma ciência ativa, que se opoe à ciência contemplativa dos antigos; e a utilização da matemática como linguagem da fisica, proposta por Galileu sob inspiração platônica e pitagórica e contrária à concepção aristotélica. A ciência ativa moderna rompe com a separação antiga entre a ciência (episteme), o saber teórico, e a técnica (téchne), o saber aplicado, integrando ciência e técnica e fazendo com que problemas práticos no campo da técnica levem a desenvolvimentos científicos, bem como com que hipóteses teóricas sejam testadas na prática, a partir de sua aplicação na técnica. A revolução científica moderna resulta portanto da conjugação desses fatores, para o que contribuiram diferentes pensadores ao longo dos séculos XV a XVII.

No século XVII, Francis Bacon propõe um modelo para a nova ciência. Segundo Bacon, o homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se “uma criança diante da natureza”. Só assim alcançará o verdadeiro saber. O novo método científico é a indução, que, com base em observações, permite o conhecimento do funcionamento da natureza e, observando a regularidade entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, permite formular leis científicas que são generalizações indutivas. É desse modo que a ciência pode progredir e o conhecimento, crescer de forma controlada e portanto segura. “Saber é poder”, dizia Bacon, pois, ao conhecer as leis que explicam o funcionamento da natureza, podemos fazer previsões e tentar controlar os fenômenos de modo que nos seja proveitoso. O método indutivo usado por Bacon é diferente daquele formulado por Aristoteles e usado por muitos depois dele. Esse método seria o oposto do indutivo, conhecido como metodo dedutivo. Segundo Aristoteles o método dedutivo é a forma de argumentação típica da ciência, que dá-se através da demonstração, isto é, a dedução de alguns princípios gerais a partir de coisas menores.

Outro que deu um grande contributo à ciência moderna foi Hume. Para ele todo nosso conhecimento provém de impressões sensíveis e da reflexão sobre nossas idéias, se essas impressões e idéias são assim sempre variáveis, se a causalidade e a identidade do eu resultam apenas de regularidade, repetição, costume e hábito, então, em conseqüência, jamais temos um conhecimento certo e definitivo; toda a ciência é apenas resultado da indução, e o único critério de certeza que podemos ter é a probabilidade. Hume foi um dos filósofos que mais influenciou, em suas origens, a concepção de uma ciência hipotética e probabilística, posição que veio a ser predominante contemporaneamente.

A segunda grande revolução científica foi a chamada Revolução Darwiniana, resultado da obra do naturalista Charles Darwin, A Origem das Espécies Pela Selação Natural, publicada em 1859, onde se formula sua famosa teoria da evolução, ou, mais apropriadamente, da transformação das espécies pela selação natural.

Em seu livro Darwin fala sobre suas conclusões ao longo de longos anos de estudos com diversas espécies de animais coletados em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Mais uma vez na história humana alguém conseguiu descentralizar o conhecimento e visão que se tinha do mundo, o ser humano passava a ser mais uma espécie dentre todas as outras existentes e isso tirava o seu posto de “preferido” por Deus e o colocava no mesmo nível de pássaros, jabutis, lagartos, etc. Pode-se imaginar quantas críticas Darwin recebeu ao publicar seu livro, contudo junto com as críticas surgiu uma nova visão do mundo e consequentemente, uma nova maneira dos seres humanos verem a si mesmos e o papel da religião em suas vidas.

Um acontecimento importante no seculo XX, foi o chamado “O Circulo de Viena”. Este consistiu num grupo de filosofos e cientistas que se reuniram regularmente em Viena sob a liderança de Moritz Schlick (1882 – 1936), Otto Neurath (1882 – 1945) e Rudolph Carnap (1891 – 1970), com o objetivo de desenvolver um projeto de fundamentação das teorias científicas em uma linguagem lógica, e de discutir questões filosóficas através de analise lógica rigorosa que levasse à solução, à dissolução das questões científicas/filosóficas tal como formuladas tradicionalmente. Seu propósito era fundamentar na lógica uma ciência empírico-formal da natureza e empregar métodos lógicos e rigor científico no tratamento de questões que envolviam ética, filosofia da psicologia, ciências sociais, etc. A física, enquanto ciência empírico-formal, forneceria o paradigma da cientificidade para todas as formulações teóricas que se pretendessem científicas, formulando em uma linguagem lógica, rigorosa e precisa verdades objetivas sobre a realidade. Uma teoria deveria consistir assim e principios estabelecidos pela lógica, de caráter analítico, ou seja, verdadeiros em função de sua própria forma lógica e de seu significado; e em hipóteses científicas, a serem verificadas através de um método empírico.

O principal herdeiro do positivismo lógico, embora numa perspectiva bastante crítica, foi o austríaco radicado na Inglaterra Karl Popper (1902 – 1994), um dos mais influentes filósofos da ciência da segunda metade do sec. XX. Procurando escapar dos impasses gerados pela adoção do princípio de verificação e pela exigência do estabelecimento conclusivo da verdade das proposições fundamentais, Popper formulou, em suas obras, uma inversão desse princípio, através de seu Princípio de Falsificabilidade. Portanto, de acordo com o assim chamado racionalismo crítico de Popper, uma teoria cientifica é válida na medida em que suas proposições podem ser empiricamente falsificáveis através de experimentos, testes, observações, etc; o que permite que se “auto-corrijam” e se desenvolvam em direção a um ideal de verdade objetiva, no entanto jamais atingindo de modo conclusivo, evitando o seu fechamento em posições dogmáticas. A ciência não deve, portanto, visar à formulação de teses irrefutáveis, já que não há critério de verdade definitiva, mas sim adotar hipóteses falsificáveis.


A CIÊNCIA DE HOJE


Hoje estamos vivendo algo que chamamos Estruturalismo. Este nova visão da ciência se define por tomar a noção de estrutura como central em seu desenvolvimento teórico e metodológico. Uma estrutura é um sistema, um conjunto de relações definidas por regras, um todo organizado segundo princípios básicos, de tal forma que os elementos que constituem este todo só podem ser entendidos como partes do todo, a partir das relações em que se encontram com os outros elementos que compõem o todo. Nesse sentido, o todo é sempre mais do que a simples soma de suas partes, ja que a estrutura é constitutiva do todo, isto é o que lhe da unidade. O estruturalismo caracteriza-se como um método de análise de relações de significação através da investigação das régras e princípios que constituem uma estrutura ou um sistema. Desse ponto de vista, ocorre um rompimento com o subjetivismo e com a filosofia da consciência de mundo do inicio da modernidade, bem como com uma epistemologia voltada para fundamentação da possibilidade do conhecimento científico. As estruturas que analisam são autônomas, objetivas, independentes do pensamento ou da mente dos indivíduos, sendo constitutivas da realidade em seus diferentes domínios, biológico, físico, cultural, lingüístico. O papel da ciência para o estruturalismo passa a ser então identificar, explicitar e descrever essas estruturas e suas regras e princípios constitutivos.

O pensamento pós-moderno não se caracteriza como uma corrente ou doutrina nem possui propriamente uma unidade teórica, metodológica, ou sistemática, já que em parte visa romper exatamente com isso. Na verdade, o ponto comum entre esses autores parece ser mais a necessidade de encontrar novos rumos para o pensamento, concebendo a filosofia, a ciência biológica e as demais ciências, de forma ampla e não-linear, mais próxima das artes do que da “ciência” propriamente dita, não se pretendendo mais como um saber ou um ponto de vista privilegiado, mas como uma pratica discursiva, uma forma de reflexão, um entendimento de nossa época e de nossa experiência que de conta de suas rápidas transformações, de sua especificidade e de sua complexidade.


REFERÊNCIAS


JASPERS, K. Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Cultrix, 2006.

MARCONDES, DANILO. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein – 11° ed. Rev. e. Ampliada. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

MORENTE, MANUEL GARCIA. Fundamentos de Filosofia: Lições preliminares. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1966.

SANTINELLO, G.; PIERETTI, A. & CAPECCI, A. I Problemi Della Filosofia: La filosofia nei rapporti con le scienze e la cultura – 1 nel mondo antico e medievale. Roma: Ed. Città Nuova, 1980.

Construtivismo - Expanção da Ciência!

Caríssimos Leitores,

Escolhi um texto do Profº Becker que está disponível gratuitamente na internet, no formato “.pdf”. O texto fala sobre Construtivimo. Não se tem como falar deste assunto sem mencionarmos Jean Piaget. Ele graduou-se primeiramente em Biologia, mas se destacou no campo da Psicologia, com a sua “Teoria Cognitiva”, onde demonstra que existem quatro estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano.

Além de Piaget, existem outras “personalidades” no campo construtivista, entre eles, temos o psicólogo bielo-russo Lev Semenovitch Vygotsky. Mas sobre ele falarei em outro texto no futuro.

Desejo que gostem do texto. Boa leitura!

Abraço,

Flávio Nunes, M.V. Esp.
E-mail: medvetfisio@gmail.com

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Construtivismo: Ferramenta para expandir a arte de pensar e fazer ciência!

Flávio S. Nunes


Chamamos Construtivismo a idéia de que nada está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado como algo terminado. É sim constituído pela interação do individuo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais, e se constitui por força de sua ação e adaptação.

Construtivismo é, portanto, uma idéia, ou melhor, uma teoria, um modo de ser do conhecimento ou um movimento do pensamento que emerge do avanço das ciências e da filosofia dos últimos séculos. Uma teoria que nos permite interpretar o mundo em que vivemos e que nos permite (re)interpretar práticas, métodos, técnicas de ensino, formas de aprendizagem, etc...; jogando-nos para dentro do movimento da História – da Humanidade e do Universo.

Um grande construtivista foi Jean Piaget. Biólogo por formação, posteriormente aprofundou seus estudos em Zoologia, Filosofia, Epistemologia e Psicologia. Piaget foi considerado por muitos autores de psicologia como o “Einstein da Psicologia”.

Para Piaget, a aprendizagem é um processo que começa no nascimento e acaba na morte. A aprendizagem dá-se através do equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, resultando em adaptação. Segundo esta formulação, o ser humano assimila os dados que obtém do exterior, mas uma vez que já tem uma estrutura mental que não está "vazia", precisa adaptar esses dados à estrutura mental já existente. Uma vez que os dados são adaptados a si, dá-se a acomodação. Para Piaget, o homem é o ser mais adaptável do mundo. Este esquema revela que nenhum conhecimento nos chega do exterior sem que sofra alguma alteração pela nossa parte. Ou seja, tudo o que aprendemos é influenciado por aquilo que já tínhamos aprendido.

No campo relacionado ao Ensino/Aprendizagem, falemos um pouco sobre a matéria-prima do professor: o conhecimento. Um bom professor conhece uma ou mais áreas de conhecimento. Ao ser perguntado sobre a natureza desse conhecimento, reage, em alguns casos, espantado; porque a pergunta é inusitada. O professor ensina conhecimento, mas ao ser perguntado sobre o conhecimento, espanta-se como se a pergunta não fizesse sentido ou fosse descabida. Ao responder sobre "o que é o conhecimento", responde ao nível do senso comum, isto é, como qualquer pessoa que utiliza sua inteligência para resolver problemas do cotidiano. Isto acontece com professores de pré-escola, de 1º e 2°-graus e, do mesmo modo, com professores universitários, incluindo os de pós-graduação lato e stricto sensu.

Se a concepção de conhecimento do professor, a sua epistemologia – na maioria das vezes inconsciente – for Empirista, ele tenderá a seguir um determinado caminho didático-pedagógico. Ele ensinará a teoria e exigirá que seu aluno a aplique à prática, como se a teoria originariamente nada tivesse a ver com práticas anteriores, e a prática não sofresse nenhuma interferência da teoria que a precedeu. Exigirá, ainda que seu aluno repita, inúmeras vezes, a teoria, até memorizá-la, pois para elem, o aluno é como uma “tábua rasa”, “folha de papel em branco”, um "nada" em termos de conhecimento. Essa memorização consistirá, necessariamente, num empobrecimento da teoria, além de impedir que algo novo se constitua. É assim que funciona a quase totalidade de nossas salas de aula.

Se a epistemologia do professor for Apriorista, ele tenderá a subestimar o tremendo poder de determinação que as estruturas sociais, em particular a linguagem, têm sobre o indivíduo. Conceberá esse indivíduo como um semideus que já trazem si toda a sabedoria ou, pelo menos, o seu embrião. É claro que, inconscientemente(?), aceitará que só certos estratos sociais tenham tal privilégio: os não-índios, os não-negros, os não-pobres etc. Um ensino determinado por tais pressupostos tenderá a subestimar o papel do professor, o papel do conhecimento organizado etc., pois o aluno já traz em si o saber.

No entanto, se o professor conceber o conhecimento do ponto de vista Construtivista, ele procurará conhecer o aluno como uma síntese individual da interação desse sujeito com o seu meio cultural (político, econômico etc.); portanto não há “tábua rasa”. Há uma riquíssima bagagem hereditária, produto de milhões de anos de evolução, interagindo com uma cultura, produto de milhares de anos de civilização. Segundo Piaget, como já vimos anteriormente, o aluno é um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Pela dimensão assimiladora ele produz transformações no mundo objetivo, enquanto pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares entre si, de todas as suas ações.

Conforme observamos, esses dados e essas reflexões epistemológicas sugerem um caminho didático para a formação de professores: o docente precisa refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da qual é sujeito, em seguida apropriar-se-á da teoria capaz de desmontar a prática conservadora e apontar para as construções futuras.

Diz Piaget em sua obra-prima “Nascimento da Inteligência na Criança” (Pág. 386 e 389): "As relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é desse estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas". E, sobre o problema da construção do novo, diz: "A organização de que a atividade assimiladora é testemunha é, essencialmente, construção e, assim, é de fato invenção, desde o principio". Isto é, a novidade emerge da própria natureza do processo de desenvolvimento do conhecimento humano. Para que ela não ocorra basta obstruir esse processo.

Construtivismo é portanto esta forma de conceber o conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento - e, por conseqüência, um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das relações socioambientais.


Referências Bibliográficas:

Jean Piaget: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Piaget

Texto do Profº Fernando Becker: Professor de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação de Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Doutor em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo, Coordenador do Programe de Pós-graduação em Educação da UFRGS.

Fisiologia: Crise?

Caríssimos Amigos e Visitantes,

Escolhi o artigo a seguir, do Profº Erasmo G. Mendes, para dar inicio às nossas atividades. Acredito que o texto será muito útil e servirá para nossas reflexões inicias.

Neste artigo o Profº Mendes expõe a evolução da Fisiologia Animal, seus desmembramentos e, entre outras coisas, fala sobre as idéias do Dr. Ross, que num artigo de 1981 intitulado “Illusion and reality in comparative physiology”, publicado no Canadian Journal of Zoology, 29; critica fervorosamente os cientistas que estudavam e desenvolviam suas pesquisas em Fisiologia Animal Comparativa.

Desejo que gostem do artigo. Ficarei aguardando suas criticas e opiniões.

Abraço,

Flávio Nunes, M.V. Esp.
E-mail: medvetfisio@gmail.com


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Sobre o autor: Erasmo Garcia Mendes é Professor Emérito do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, titular aposentado da disciplina de Fisiologia Animal II e integra a Mesa Editorial da revista Estudos Avançados. Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma palestra feita pelo autor no seminário "Novos rumos em Fisiologia Animal Comparativa", realizado de 15 a 19 de fevereiro de 1989, no Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, São Sebastião, Litoral Norte.

Fisiologia: crises?

Erasmo G. Mendes

RESUMO

O autor se reporta a apregoadas crises tanto na fisiologia, como é classicamente entendida, como na que se convencionou chamar fisiologia animal comparativa. Na primeira, a crise residiria em estar cedendo lugar às disciplinas em que se desmembrou (biofísica, bioquímica, farmacologia e, mesmo, imunologia) e cada vez menos tendo a possibilidade de fazer pesquisa de ponta. Na segunda, o sentido da pesquisa teria divergido do concebido pelos seus instituidores, que deveria ser o de subsidiar as análises filogenéticas hauridas da anatomia, embriologia e paleontologia. Enfatiza que as referidas disciplinas continuam fisiológicas, a visão holística propiciada pela fisiologia clássica persiste importante e seus problemas de natureza sistêmica estão longe da elucidação satisfatória. Também não procederia a crítica feita à fisiologia comparativa de fracasso nas tentativas de compatibilizar as funções com a filogenia, pois, em casos significativos houve sucesso. Ademais, a fisiologia comparativa, na evolução de seus objetivos, ganhou novas conotações, mormente a ecológica, em que convergências antes que alinhamentos filogenéticos são buscados. Além disso, essa fisiologia tem oferecido à pesquisa básica animais, modelos experimentais mais simples, extremamente adequados ao estudo de funções complexas. Assim, não haveria crises num sentido de perda de objetivos ou mudança de paradigma nos dois casos. Novos rumos? O autor admite novos delineamentos nos estudos de problemas que continuam fundamentalmente os mesmos. Um breve aceno ao caráter prevalentemente positivista da fisiologia é também feito.
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ABSTRACT

The author reports on proclaimed crises in classical physiology as well as in the so-called comparative animal physiology. In the former, the crisis would derive from loosing grond to biophysics, biochemistry, pharmacology and, even, immunology in a manner detrimental to holistic and systemic views; lack of opportunity to do cutting edge research is also pointed. In the latter, the trends followed in the researches would be far from the purpose originally conceived of subsidizing the phylogenetic analyses based on comparative anatomy, embryology and paleontology. The author emphasizes the undiminished importance of classic physiology, of which biophysics and biochemistry are but specialized branches and recalls that the holistic view and the systemic approach remain as the ultimate goal of physiology. As to comparative physiology, claims of failure to accomplish the alleged original purpose are to be rejected, in view of sucesses reported in tracing the evolution of functions and the fact that, with time, comparative physiology gained new connotations, mostly ecological, dealing with convergences rather than phylogenetic alignments. Besides, this branch of physiology has continuously furnished animal models for basic research. Thus, there would be no crises in a philosophical sense of loss of objectives or paradigm change, but rather a growth crisis towards molecular approaches. Essentially, not new trends, but new experimental designs. A brief reference to the prevalent positivist character of physiology is also made.
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Em um editorial de The Physiologist, Frank (1986) externou sua preocupação quanto ao futuro da fisiologia, tal como tradicionalmente é considerada. Recordou o matemático Hubert, para quem "enquanto uma ciência oferecer abundância de problemas, estará viva, falta dos mesmos configura extinção ou cessação de sua independência". Reconhecendo que ainda há profundas questões a responder na fisiologia antes que seja atingido um entendimento abrangente de como os seres vivos funcionam, perguntou se, não obstante, ela teria ainda pela frente um futuro brilhante. A dúvida resultou das restrições que se vêm fazendo ultimamente à fisiologia em torno de tal futuro e da impressão geral de estar ela modernamente desmembrando-se em ciências afins, como a biofísica, a bioquímica, a farmacologia e, mesmo, a imunologia, em detrimento da pesquisa de caráter sistêmico, implicando uma visão holística, em que vinha antes sendo praticada. Sim, de alguns ângulos, a fisiologia, como é classicamente entendida, vem sendo comparada, em equivalentes funcionais, à gross anatomy, no sentido de que, em seu aspecto sistêmico, haveria cada vez menos a pesquisar, cabendo os detalhamentos dos processos cada vez mais às ciências afins mencionadas, atuando independentemente.

De fato, a elucidação dos mecanismos íntimos do funcionamento do organismo vivo caminha crescente e inexoravelmente para a abordagem molecular ou biofísica e Frank vê nisso um perigo à sobrevivência dos departamentos de fisiologia nas universidades, em termos de descaracterização e conseqüente descredenciamento na disputa por financiamento de pesquisa junto às agências de fomento desta. Esse temor de Frank de um esvaziamento dos departamentos de fisiologia, face à dificuldade de fazer cutting edge research, tem fundamento, pois, para enfrentar a situação, tais departamentos já começam a se denominar, por exemplo, departamento de fisiologia e biofísica, como acontece na Universidade de São Paulo. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro a fisiologia é ensinada (e pesquisada) num Departamento de Biofísica, sucessor do Laboratório de Biofísica criado por Carlos Chagas Filho, ao tempo em que essa universidade era a Universidade do Brasil.

Assim, a fisiologia, pelo menos a de cunho geral e sistêmico, estaria em crise e essa crise teria surgido, paradoxalmente, da evolução de sua pesquisa no sentido do aprofundamento e do esmiuçamento dos problemas de que sempre se ocupou. Confesso, porém, a não ser pelo perigo de perda de verbas para a pesquisa em favor das ciências em que se desmembrou (essas, apenas, estariam fazendo cutting edge research ), não ver procedência nessa crise, pensando em termos de filosofia e história da ciência. Parece claro que esse desdobramento em ciências afins foi uma decorrência do avanço inevitável do emprego de procedimentos físicos e químicos na investigação fisiológica, desde que, numa memorável reunião feita em Berlim em 1847, Helmholtz, Ludwig, Du Bois Reymond e Brücke, top physiologists da época, recomendaram que, dai em diante, a pesquisa fisiológica se baseasse na física e na química, então em franco desenvolvimento. Não vejo como esse procedimento possa ter levado, século e meio após, à invalidação da fisiologia clássica como disciplina científica autônoma, persisto antes na crença de que as ciências em que se desdobrou continuam ciências fisiológicas, estando ainda longe o dia em que a fisiologia dos sistemas vivos como um todo ficará elucidada. A propósito, physiologia é palavra grega latinizada e significou originalmente conhecimento natural, como tal sendo também entendida por Jean Fernel (1497-1558), o Galeno Moderno, recordado agora apenas por suas obras que servem à compreensão da ciência da época e por ter sido médico da Dianne de Poitiers, amante de Henry II da França e do próprio rei. Com o tempo, gradualmente o sentido do termo foi se restringindo para designar o estudo das funções dos seres vivos, sendo atualmente até deturpado para tipificar as atividades de políticos adesistas contumazes. O conhecimento de como os animais funcionam foi inicialmente inferido das características anatômicas e de uma ocasional experimentação;somente a partir do descobrimento da circulação (W. Harvey, 1628) pode-se admitir que a experimentação se tornou a condição indispensável à investigação fisiológica.

Investigada e ensinada inicialmente com vistas à diagnose e à terapêutica, ou seja, conhecer o organismo para tentar descobrir os desvios de suas funções, a fisiologia passou crescentemente a ter também os objetivos acadêmicos de elucidação de processos em termos estritamente biológicos. Sob esse aspecto, não se deve esquecer o lado biológico da obra de Aristóteles, cognominado o pai da história natural, que fez interessantes especulações de cunho fisiológico, com intenções fundamentalmente acadêmicas. Aliás, não seria despropositado recordar que, quando a filosofia e a ciência se confundiam, sempre tenha havido preocupação acadêmica da parte dos que, mesmo com intenções médicas, estudaram as funções. Em razão disso, a fisiologia, de longuíssima data, vem fazendo parte dos currículos das escolas de medicina, com o objetivo de dar aos estudantes embasamento biológico para as disciplinas clínicas e cirúrgicas. Assim, fica difícil, por sua condição básica, que a fisiologia possa ceder completamente lugar nos currículos às disciplinas de cunho molecular em que se desdobrou. A passagem dos estudantes de medicina, ciências biomédicas ou biologia pela fisiologia tradicional continuará indispensável à formação do bom profissional ou pesquisador nessas áreas. Enfatize-se finalmente que a investigação da fisiologia dos sistemas, de modo algum, acha-se esgotada e grande parte de seus experimentos clássicos ainda são importantes na pesquisa de ponta, tanto quanto didaticamente. Assim, respondendo a Frank, diria que a physiology does have a future, ou, melhor, continuará sendo necessária sob as formas como é ensinada e pesquisada.

Mas não é somente a fisiologia como tradicionalmente é encarada que estaria em crise. Esta parece ter chegado também ao que se convencionou chamar fisiologia animal comparativa (FC), o estudo dos modos pelos quais mesmas funções são desempenhadas nos animais de diferentes filos, tendo em mira estruturas homólogas ou análogas, ou casos especiais (bioeletricidade, mudança de cor fisiológica, bioluminescência). A preocupação com essas questões é bem antiga e, nos séculos 17/18, famosos naturalistas deram à FC contribuições importantes. Com o advento da doutrina da evolução, sobretudo a partir de Darwin, deveria caber à FC subsidiar, em termos das funções, os achados morfológicos, embriológicos e paleontológicos relativos à filogenia animal. E o seu aparente fracasso nesse papel que está ressaltado num polêmico artigo em que Ross (1981) pretende desmistificar essa missão, afirmando que, afinal, a FC tem apenas contribuído para explicar como os animais lidam com situações particulares, ou seja, é a fisiologia das adaptações, na qual convergências antes que evolução das funções são detectadas. Essa crítica de Ross, a meu ver, é unilateral, não salientando a relevância de outros importantes objetivos da FC. Mas, sendo séria, merece ser comentada e, eventualmente, contestada.

Ross ressaltou inicialmente que a fisiologia comparativa tem sido um dos mais ativos setores da biologia na maior parte deste século, tendo aparecido como uma "nova zoologia", a emparelhar-se com velha zoologia estrutural, que levaria a descobertas relevantes, propondo questões resolúveis pela experimentação. Com status comparável ao dos físicos (cujos métodos usavam), os fisiologistas comparativos, além de reformar a biologia, alargariam a base da fisiologia até então centrada experimentalmente no cão, rã e homem.

Ross é, para dizer o mínimo, cético em relação ao sucesso da FC, valendo-se de sua própria experiência, como se verá. A FC, admitiu, surgiu como a contrapartida da anatomia comparativa, no auge da época em que esta, juntamente com a paleontologia e a embriologia contribuíam grandemente para a aceitação da Evolução Orgânica como um fato. Nesse sentido, suas descobertas fundamentariam, em termos funcionais, os achados dessas ciências no campo da filogenia e esse, a seu ver, seria o propósito e a filosofia da FC, tal como originalmente teria sido concebida. E, aqui, começam as críticas de Ross.

Na realidade, segundo ele, em muitos casos o que resultou das pesquisas foi antes o estudo do modo como os animais lidam com circunstâncias peculiares, num tempo em que numerosos novos tipos de animais eram descobertos e muitos ambientes estudados pela primeira vez, sem significativas inferências sobre as origens e a filogenia das funções. Mesmo assim, a FC já se encontrava bem-estabelecida no início do século, especialmente na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos, ocupando crescentes espaços nas revistas de zoologia e fisiologia, criando seus próprios periódicos e manuais, sinonimicamente rotulada de zoologia experimental ou zoologia fisiológica ou, ainda, zoofisiologia.

À vista desse sucesso, Ross julgou temerário criticar a FC, mas conta como lentamente foi se dando conta do que chamou as ilusões e a realidade desse ramo da fisiologia. Canadense, recém-graduado no seu país, Ross procurou aprimorar seus conhecimentos, recorrendo a um dos mais renomados centros de zoologia experimental, sediado em Cambridge, aonde foi estudar com C.F.A. Pantin. Aí, além de Pantin, conviveu com J. Gray e um grupo de colegas então jovens, que o tempo iria notabilizar (J. Pringle, A. Ramsay, V. Rothshild, J. Harris, W.H. Thorpe, RJ. Pumphrey e H. Lissmann). Embora junto a tais sumidades tenha se sentido inferiorizado, já nessa época, começou a formular reservas quanto à FC. Tendo adquirido a noção de que as grandes questões em biologia são a origem da vida, a evolução, a hereditariedade, as adaptações, a pendência vitalismo versus mecanicismo, não teria visto em Cambridge, preocupações com elas. No entanto, havia aportado entre os mais habilidosos e bem-informados pesquisadores, engajados em experimentos que requeriam engenho e fino tino de princípios científicos. Sobretudo, pareceu-lhe ambígua uma atitude do chefe do departamento, o grande J. Gray. Este trabalhava em estudo da função que implicava uma abordagem verdadeiramente comparativa, na qual princípios mecânicos envolvidos na locomoção de vários animais eram analisados com grande engenho e precisão, levando a crer que ele admitia o mecanicismo como filosofia. Todavia, no discurso presidencial da BAAS (1933), The mechanical view of life, Gray argüiu que a visão mecânica não explicava as propriedades especiais da matéria viva ou a origem da vida, uma opinião que, segundo Ross, não era refletida nas suas pesquisas, de cunho mecanicista, como as da maioria de seus colegas de departamento, para os quais, no estudo de problemas, o que contava era não o que, mas como se fazia. Assim, pensando ter escolhido um campo florescente da zoofisiologia, Ross aí entrara só para se tornar unsettled face às atitude e circunstâncias encontradas.

Criticando a admissão tácita de que a FC tenha implicações filogenéticas, Ross alinhou ilusões concernentes a essa admissão:

· a FC raramente teria confirmado significativamente as visões hauridas da morfologia, paleontologia e embriologia de que as funções na escala animal poderiam ter evoluído segundo claros padrões filogenéticos e, sim, apenas teria demonstrado que o que ocorreu mais freqüentemente foram convergências;
· a FC não contribuiu para o esclarecimento de gaps na sucessão filogenética, nem corrigiu concepções errôneas, provendo alternativas.

Mais freqüentemente, comparações funcionais converteram-se em paradoxos e não paralelos filogenéticos (caso, por exemplo, dos pigmentos respiratórios, neurotransmissores, mecanismos de contração muscular). Por outro lado, mecanismos fisiológicos servindo a um mesmo propósito mostram grande diversidade (visão, mudança de cor, bioluminescência) e, menos freqüentemente, evoluíram segundo uma linha filogenética discernível (excreção, sistema nervoso). Assim, a impressão que fica é que os animais, de todos os níveis, possuem o equipamento requerido para seus particulares modos de vida, sem muita referencia à história filogenética.

Entre as realidades, Ross destacou que a já vastíssima literatura em FC consiste (ainda que não declaradamente) mais comumente de descrições de adaptações, sendo apropriado dizer que os fisiologistas comparativos se ocupam de como os animais funcionam. Há dificuldades em se conceituar a FC: "não tanto uma disciplina definida quanto um ponto de vista, uma filosofia, (...) aquele método que usa o tipo de animal como uma variável experimental" (C.L. Prosser); "defínível como o estudo de similaridades e diferenças entre entidades biológicas" (T.H. Waterman); "a análise da adaptação que adequa o sistema à demanda ambiental" (D. Kennedy). Neste último sentido, os organismos evoluíram, dentro de planos estruturais definidos, para sobreviverem em todas as condições possíveis. Todavia, segundo Ross, descrever e interpretar adaptações não conduziria à descoberta de novos princípios gerais biológicos. Ainda assim, a FC valeria como disciplina acadêmica e, pela sua contribuição à medicina humana e veterinária, teria servido para esclarecer fenômenos fisiológicos fundamentais (ver, por exemplo, os casos dos neurônios identificáveis de certos moluscos e insetos no entendimento de padrões comportamentais). Em que pese o fato de que a FC possa ser criticada por vir sendo antes seletiva que comparativa, fundando suas inferências ainda em estudos em umas poucas preparações, Ross reconhece-lhe esse valor de continuar a fornecer à fisiologia geral tais preparações para a investigação de cunho básico (o primeiro trabalho que estabeleceu a acetilcolina como neurotransmissor dependeu da sensibilidade à mesma do músculo da sanguessuga).

A meu ver, essa crítica de Ross é, como disse, unilateral e, em muitos aspectos, em desacordo com a história da FC. Não procederia que ela teria surgido apenas da necessidade de se criar uma contrapartida fisiológica de estudos morfológicos comparativos e palentológicos que levaram a especulações sobre a filogenia animal. Esta pode ter sido uma das suas motivações, ainda que tardia. Tendo freqüentado no país e no exterior cursos de FC, apenas incidentalmente ouvi referências acerca de tal propósito da FC. Na verdade, como acenado anteriormente e o próprio nome indica, a FC é fundamentalmente o ramo da fisiologia que se ocupa de investigar como mesmas funções são desempenhadas em estruturas homólogas e análogas nos animais de vários filos, comparando esses modos e relacionando-os no que têm em comum e no que respeita a adaptações a diferentes ambientes. Essa atividade pressupõe evidentemente conhecimentos de zoologia básica e morfologia comparativa. Se, ao tempo em que a doutrina da evolução se firmava, houve a intenção de comparar as funções nos vários filos visando-se a subsidiar achados morfológicos e paleontológicos, esse não foi o móvel primordial da FC e, sim, uma atitude natural em uma época na qual essa evolução, com Darwin e seus fiéis seguidores Huxley e Haeckel, configurava uma revolução científica a que cumpria de alguma forma aderir. Cabia pois tentar demonstrar que as funções também tinham evoluído em paralelo com as formas e até se explicariam recorrendo-se a estágios anteriores. Nesse sentido até que a FC não se deu inteiramente mal, sendo numerosas as instâncias nas quais sua contribuição foi relevante.
Entre os casos mais citados, cumpriria ressaltar:

· o aparente contra-senso de, no rim do vertebrado superior, haver antes uma grande filtração do conteúdo aquoso do sangue, que, depois, é quase todo reabsorvido - o que se explicaria na base da evolução a partir de peixes d'água doce, onde essa grande filtração evita hidratação, mas, no caso dos vertebrados terrestres, poria em perigo a economia de água;
· a evolução do próprio sistema excretor na série animal, com base num plano anátomo-funcional (aparelho terminal + sistema de canais), do protonefrídio de invertebrados ao metanefros dos vertebrados;
· a evolução do sistema nervoso da rede nervosa dos celenterados ao tipo centralizado, condizente com a passagem da simetria radial à bilateral e o surgimento da cefalização.

Outros exemplos poderiam ser dados e, se considerar, com Ruffini (1925), que "a forma é a imagem plástica da função", poder-se-ia aceitar, admitida a evolução da forma, ficar implícita a da função, o que, todavia, nem sempre é fácil demonstrar, ensejando a crítica de Ross.

A FC, assim, não seria invalidada pelos casos em que não teria demonstrado a evolução das funções em paralelo com a das formas. Os seus objetivos, na verdade, remontam a bem antes do advento da moderna doutrina da evolução, sendo antiga a tendência dos homens da ciência, com fins comparativos ou não, de saber como os animais comem, digerem, respiram, excretam, sentem e exibem comportamentos, sem preocupações de ordem filogenética. Tratou-se de uma curiosidade natural desses cientistas, aliada muitas vezes à preocupação de estudar forma & função com objetivos inclusive de proteção de espécies úteis e debelação das nocivas. Neste último sentido, vale o registro de Wigglesworth (1939) de que a FC serve para o esforço de "quebrar a armadura ecológica" dessas espécies daninhas. No passado, sobretudo nos séculos 17/18, salientaram-se os italianos F. Redi (1626-1697), ocupando-se da sede de produção, natureza e modo de inoculação do veneno da víbora e pesquisou a digestão e circulação nos insetos; M. Malpighi (1628-94), descrevendo a forma e a função de inúmeras estruturas animais que levam o seu nome e, por ter descoberto os capilares, dele se disse "Harvey fez dos capilares uma necessidade lógica, Malpighi uma certeza histológica" (a descoberta foi feita no pulmão e no mesentério da rã); esse admirável e multiforme L. Spallanzani (1729-99), estudando a fisiologia da respiração, circulação e digestão em vários animais, o órgão elétrico dos peixes e suspeitou de um sexto sentido nos morcegos.

Os poucos casos citados em que fica cientificamente aceitável a contribuição da FC à história filogenética, acrescidos dos desses prodigiosos italianos já configuram parcialmente objetivos desse ramo da fisiologia que Prosser, na primeira edição de seu Comparative Animal Physiology, incorporou no elenco de finalidades da mesma, a saber:

· descrever os modos diversos pelos quais diferentes tipos de animais enfrentam suas necessidades funcionais;
· elucidar as relações evolucionárias dos animais pela comparação de características fisiológicas e bioquímicas;
· prover base fisiológica à ecologia, descrevendo os mecanismos de tolerância aos estresses em habitats particulares e as adaptações funcionais que subjazem à extensa gama de uma população;
· chamar a atenção para preparações animais particularmente adequadas à demonstração de funções específicas; e
· conduzir às amplas generalizações biológicas que surgem do tipo do animal como uma variável experimental.

Desse elenco, depreende-se que a FC trata da função animal em nível de órgão e animal inteiro, integra e coordena relações funcionais que transcendem de grupos especiais, diz respeito aos modos pelos quais organismos diversos têm funções semelhantes, porque animais geneticamente diferentes mostram similaridades em características ou resposta a mesmo estímulo ambiental e, de maneira recíproca, animais intimamente aparentados freqüentemente reagem de forma muito diversa a uma mesma circunstância.

Quanto a prover base fisiológica à ecologia, bastaria recordar que o ecólogo Margalef (1974) considera a sinecologia (e muito mais seria a autoecologia) uma fisiologia praticada ao ar livre. Cadeias alimentares, interdependências, predações, autodefesas e atrações por meio de agentes químicos, tudo isso requer abordagem de cunho fisiológico comparativo.

Chamar a atenção para preparações animais particularmente adequadas à resolução de questões básicas da fisiologia tem sido ultimamente a faceta mais destacada da FC. Por ocasião da aposentadoria de C.L. Prosser vários cientistas contribuíram com artigos em sua homenagem, aparecidos no volume 194 (1975) do Journal of Experimental Zoology. Hans Krebs (1975), nobelista e conhecido pelo ciclo bioquímico que lhe leva o nome, escolheu escrever sobre o chamado Princípio de Krogh. August Krogh, outro nobelista por seus trabalhos sobre capilares e provavelmente o maior dos fisiologistas comparativos, contou, numa lecture durante o XIII Congresso Internacional de Fisiologia (1929), que, certa vez, no laboratório de Christian Bohr em Copenhague, trouxeram uma tartaruga que tinha uma curta traquéia e dois longos brônquios principais e, assim, se adequava ao estudo de cada pulmão isoladamente. E, adiantou, deveria haver inúmeros outros animais igualmente adequados à experimentação, que caberia aos zoólogos apontar. Tal adequação passou a configurar o princípio que tem o seu nome: "Para muitos problemas há um animal no qual podem ser mais convenientemente estudados".

A lista de tais animais já é grande; bastaria recordar que a Genética se beneficiou enormemente da existência da mosca Drosophila (Morgan, Sturtvant) e que varias questões básicas da fisiologia foram resolvidas usando-se não somente vertebrados inferiores, mas também invertebrados. Houve até casos curiosos como o da descoberta do evento inicial da visão, feita nos anos 20 por S. Hecht, ao estudar a cinética da resposta do sifão fotossensível de um mexilhão (Mya). Muitas das dificuldades do entendimento biofísico da gênese e da propagação do impulso nervoso foram resolvidas com o emprego do axônio gigante da lula, que o zoofisiologista J.Z. Young indicou a K.S. Cole, recomendado por este a Hodgkin e seus colegas de Cambridge. O órgão elétrico do nosso poraquê, animal de escolha para o estudo da transmissão neuromuscular, fez a reputação do Laboratório de Biofísica de Carlos Chagas Filho, mencionado anteriormente. Fenômenos de inibição nervosa são bem investigados em preparações neuromusculares de crustáceos superiores por ocorrerem aí também perifericamente. E os exemplos poderiam ser multiplicados.

Reenfatize-se, contudo, que além de oferecer o animal adequado à resolução de questões básicas da fisiologia, a FC se impõe como disciplina desse ramo da biologia. Os interessantíssimos episódios da vida animal têm histórias fisiológicas atraentes a desvendar e contar, dando não raramente azo a bizarros tipos de experimentação, em que, por exemplo, misturam-se materiais de animais diferentes para a investigação de função de um deles. É o caso abordado por Greenberg (1985), em um artigo no qual começa recordando a cena primeira do IV ato do Macbeth de Shakespeare, onde as bruxas misturam num caldeirão pedaços de cobras, lagartos, rãs, morcegos e corujas for a charm of powerful trouble. A analogia moderna dessa metáfora shakespeareana seria para Greenberg o experimento de Ashley & Ridgway (1968), em que os autores injetaram uma fotoproteína, obtida de extratos de uma medusa (Aequorea), numa fibra muscular gigante da craca (Balanus ) e, como ela bioluminesce em presença de íons de cálcio, puderam seguir o caminho intracelular do íon durante a estimulação nervosa do músculo. O extravagante título dado ao artigo por Greenberg (Ex-bouillabaise: lux...) é sugestivo, pois, no caso do experimento, houve conceitualmente tanto quanto literalmente produção de luz. E o experimento favorito de Greenberg, pois captaria a essência da fisiologia e bioquímica comparativas, em particular seu potencial para trazer luz proveniente de sopa.

Bouillabaises, de fato, são freqüentemente preparadas por fisiologistas comparativos. Eu mesmo já preparei tais sopas, como no caso em que, impossibilitado circunstancialmente de identificar químicamente um princípio ativo extraído de um caracol, vali-me de bioensaios nos quais usei várias preparações de músculos de invertebrados para, conhecendo suas exclusividades no tocante aos receptores de membrana, excluir ou demonstrar a possibilidade desse princípio ser um determinado neurotransmissor.

Kuhn (1970) descreveu os três estágios em que a ciência se desenvolve. No primeiro (pré-paradigmático ou imaturo) não há consenso governante sobre as hipóteses condutoras. No segundo (maduro), a ciência é unificada e dirigida por um consenso sobre as hipóteses estruturadoras, cujo conjunto forma o paradigma do campo investigado. Enquanto houver consenso sobre esse paradigma, tem-se a ciência normal. O terceiro estágio sobrevem quando esse consenso se rompe, um evento chamado por Kuhn de crise e a ciência passa por um período de debates sobre as hipóteses vigentes, a ser resolvido pela formação de um novo consenso referente a novo conjunto de hipóteses condutoras, que configura uma revolução científica.

À vista do exposto e comentado sobre as supostas crises na fisiologia tradicional e na FC, dificilmente poder-se-ia admitir estar havendo ou se delineando nesses campos de investigação uma revolução nos moldes kuhneanos, implicando um novo paradigma. Se crises houve na fisiologia, elas remontariam, por exemplo, ao tempo em que explicações para os fenômenos fisiológicos faziam apelo a esdrúxulos flogístico e espíritos (Galeno) e ao recurso à vis vitalis, quando se tornou imperioso que as explicações passassem a ter cunho experimental, com freqüente uso de procedimentos físicos e químicos e o apelo à força vital tornou-se inaceitável como via de investigação.

O valor dado à experimentação como o meio de elucidar fenômenos fisiológicos se coaduna com o principal dogma do positivismo, como formulado por David Hume e os enciclopedistas franceses no século XVIII, segundo os quais a experiência é a única fonte do conhecimento e os métodos da ciência empírica são os únicos meios pelos quais o mundo pode ser entendido. Mesmo em face de um neovitalismo corrente, essa atitude positivista na fisiologia, pelo menos no que respeita às funções ditas vegetativas, não sofreria a crítica que modernamente se faz à doutrina de Hume, sendo certo que fenômenos tais como, por exemplo, a digestão, se elucidam maiormente pela experimentação, usando-se procedimentos físicos e químicos e o conhecimento anatômico. As dificuldades surgem quando se trata de funções neurossensoriais nas quais ficaria menos aceitável a visão positivista de ser a mente um papel em branco, em que gradualmente se escreve uma representação da realidade constituída com a experiência cumulativa. Modernamente, essa visão vem sendo posta em cheque e ganha terreno a admissão de que a mente, como queria Kant com seus conceitos transtorna-se-ia não apenas plausível, mas inteiramente de acordo com a corrente principal do pensamento evolucionista. Conceitos a priori de tempo, espaço e causalidade são intuitivamente óbvios e compreendidos por cada criança no curso de seu desenvolvimento intelectual normal, sem necessidade de aulas de física, porque determinantes hereditários de nossas funções mentais superiores foram selecionados por seu ajuste evolucionário, tal como genes que dão origem a atos comportamentais inatos, como o sugar do seio materno, que não requerem apendizagem por experiência. A importância dessas considerações darwinianas transcendem uma mera invocação da epistemologia kantiana, pois a origem evolucionária do cérebro explicaria não apenas porque nossos conceitos inatos se adequam ao entendimento do mundo, mas também porque esses conceitos não são tão válidos quando se tenta sondar esse mundo nos seus aspectos científicos mais profundos.

Além de explicar em termos evolucionários como o cérebro humano e seu epifenômeno, a mente, adquirem conceitos a priori., a biologia moderna também indicaria que o cérebro opera segundo os princípios do estruturalismo, no sentido de os estudos neurológicos mostrarem que, de acordo com esses princípios, a informação sobre o mundo alcança as profundezas da mente, não como um dado cru, mas como estruturas altamente processadas, geradas por um conjunto de transformações informacionais graduais e pré-conscientes do input sensorial. Essas transformações neurológicas processam-se de acordo com programa que pré-existe no cérebro. Assim, achados neurológicos dariam cendentais ou a priori, constrói a realidade a partir da experiência à custa do conhecimento inato.

Esse modo de ver estaria em consonância com a doutrina da evolução. K. Lorenz (1939) lembrou que, embora poucos cientistas tivessem se dado conta do fato, o dilema proposto pelo a priori kantiano reabriu-se quando Darwin formulou a teoria da evolução na segunda metade do século XIX. Segundo Lorenz salientou, o argumento de que o conhecimento sobre o mundo entra na mente apenas pela experiência pode ser válido se for considerado tão somente o desenvolvimento ontogenético do homem. Mas, quando se tem em conta o desenvolvimento filogenético do cérebro através da história evolucionária, tornar-se-ia claro que os indivíduos podem saber alguma coisa do mundo também inatamente, antes e independentemente de suas próprias experiências. Afinal, não haveria razão biológica pela qual tal conhecimento inato não pudesse ser transmitido de geração a geração pelo conjunto de genes que determina a estrutura de nosso sistema nervoso. Pois esse conjunto de genes tornou-se realidade através da seleção natural operando em nossos remotos ancestrais. Assim, a noção kantiana do conhecimento a priori apoio biológico ao dogma estruturalista de que as explicações do comportamento deveriam ser formuladas em termos de tais programas e revelariam o erro da abordagem positivista.

A discussão mais extensa do assunto foge ao escopo principal deste artigo, mas a sua abordagem, algo perfunctória aqui, deixa entrever que, pelo menos no campo neurossensorial, poderia estar se esboçando uma crise na fisiologia, consistente quanto ao paradigma positivista poder estar cedendo lugar, também nesse ramo da biologia, ao estruturalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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